02/09/2013

Trem de combustível explode e mata 42 no interior da Bahia

Quarenta e dois mortos, mais de duzentos feridos internados em hospitais da Grande Salvador, este o saldo inicial – até às 19 horas de ontem – do mais grave acidente ferroviário ocorrido nos últimos anos no Brasil: uma composição, transportando gasolina e diesel da refinaria Landulfo Alves para Aracaju, saiu dos trilhos, na manhã de anteontem, em Pojuca, localizada a 90 quilômetros de Salvador, provocando o tombamento de três dos seus vagões, cada um com 35 mil litros de gasolina, vasando imediatamente e explodindo 13 horas depois.

O acidente aconteceu às 7 horas e a primeira explosão se deu às 20 horas, matando dezenas de pessoas e ferindo mais de 300. As autoridades competentes, notadamente as da Rede Ferroviária Federal, admitiram, ontem, que negligenciaram na tomada das providências que deveriam ser adotadas de imediato. Assim, durante todo aquele dia, centenas de moradores de Pojuca, principalmente a população de baixa renda que vice ao longo da linha férrea, nas proximidades da passagem de nível onde ocorreu o descarrilamento, recolheram o combustível, transportando-o para suas casas. Ninguém atendeu à de evacuar o local. O superintendente da Rede na Bahia, Válter Chagas, em entrevista ontem, reconheceu que houve a negligência pois, ele próprio, preferiu incorporar-se à comitiva do ministro Cloraldino Severo a assumir pessoalmente o controle da situação. A Rede, inclusive, vai assumir todo o ônus do acidente, além de responsabilizar-se pelo atendimento médico das vítimas e a reconstrução de casas destruídas. Para isso a Refesa abriu sindicância, através de comissão de inquérito já instalada para apurar os fatos e suas consequências, num prazo de trinta a sessenta dias.

O precioso líquido
 O PRECIOSO LÍQUIDO  – Ao ver o líquido tão caro jorrando graciosamente, a população de Pojuca, habituada a lutar pelo seu subsalário, principalmente aqueles que viviam ao longo da estrada de ferro, resistiu às ordens de evacuar o local, emitidas pela polícia, embora tardiamente, e continuou a recolher o combustível. Assim, foram atingidas violentamente pela primeira explosão. Poucas testemunhas, mas as que conseguiram sobreviver, descreveram os horrores de ver corpos voando, totalmente em chamas e carbonizados em segundos. A rua da Piedade, com suas trinta casas, deixou de existir. As chamas da primeira explosão atingiram a um raio de 200 metros, elevando-se a mais de trinta de altura. O fogo tomou conta de toda área, alimentando ainda mais pela gasolina já recolhida e armazenada nas casas das proximidades. As chamas se alastraram muito mais após a segunda explosão, às 22 horas. Desta feita, os atingidos foram bombeiros, funcionários da Petrobrás e do Polo Petroquímico que para lá se deslocaram, levando sua experiência em combate a sinistros desse porte, adquirida em constantes treinamentos.

Até a madrugada de ontem o fogo continuava devorando tudo o que encontrava pela frente, deixando, no seu rastro, as cenas de desespero daqueles que conseguiram sobreviver ao inferno em que se transformou Pojuca, cidade pequena, desconhecida, quase cidade-dormitório de Salvador, Candeias, Camaçari e Simões Filho, municípios onde estão instaladas a Refinaria Landulfo Alves, o pólo petroquímico e o Centro Industrial de Aratu. Até ao final do dia de ontem, continuavam as operações de rescaldo da área atingida, trabalho de grande periculosidade, face aos gases emanados pelo combustível ainda existente e que poderiam provocar novas explosões. Desta feita, muitos habitantes da cidade continuavam a fugir dela.

Os hospitais de Salvador estão totalmente lotados, com dezenas de queimados, muitos à morte, ocupando enfermarias e corredores. Informações extra-oficiais dão conta que existem quase 200 pessoas internadas, das quais mais da metade com poucas chances de sobrevivência.

O número de mortos pode ser ainda maior face à falta de medicamentos específicos para o tratamento de queimaduras, tais como antibióticos e plasma, além de outros indicados para as sequelas consequentes que o queimado vem a sofrer: infecções e insuficiência renal.

Há dois anos técnicos advertia para o perigo
 HÁ DOIS TÉCNICOS ADVERTIA PARA O PERIGO  – Há dois anos, o diretor do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia, professor Celso Spínola, advertiu para a tragédia que se esboçava na área industrial da região metropolitana de Salvador, com a negligência nas medidas de segurança e a falta de regulamentação no transporte de cargas inflamáveis e tóxicas. Esta previsão do especialista veio a se confirmar, de forma dramática, com a explosão dos vagões da Rede Ferroviária Federal carregados de gasolina e óleo diesel, na noite de anteontem, em Pojuca.

As atenções do professor de química não estavam voltadas para a quase desativada e precária malha ferroviária da Bahia, implantada no início do século. Dirigia-se sobretudo para o transporte de ácido cianídrico – usado para execuções na câmara de gás – e de produtos do Pólo Petroquímico de Camaçari para o porto de Aratu, por via rodoviária. As deficiências nesse transporte foram admitidas pelo então diretor do Complexo de Camaçari (Copec), Raimundo Brito, reforçando a tese da necessidade de uma legislação específica para a movimentação de carga perigosa.

Texto na íntegra do Jornal Folha de S. Paulo publicado em:
FOLHA DE S. PAULO, SEXTA-FEIRA, 2 DE SETEMBRO DE 1983 – PÁGINA: 17